Domingo, 7 de Novembro de 2010

A FAMÍLIA JÁ NÃO É O QUE ERA

   Passo na íntegra um excelente artigo publicado hoje no jornal de Notícias sobre a FAMÍLIA.

   Vale a pena ler! A continuarmos assim não sei onde vamos parar. Ainda falam da Igreja, se não é ela, isto já tinha descambado há muito tempo. Os nubentes que casam pela igreja façam um bom CPM (Curso de Preparação para o Matrimónio) e, depois verão a beleza do casamento.

    

A família já não é o que era

Cláudia Luís 

foto Global Imagens / Alfredo Cunha

 
 

Há mais casais sem filhos, mais divórcios, mais agregados monoparentais. Há ainda os pais biológicos, os pais sociais, os novos meios-irmãos e os novos filhos que nascem do novo casal.

Uma mãe e um pai, casados pelo civil e pela Igreja, com um ou mais filhos a viver na mesma casa: este conceito tradicional de família está a mudar. Passados cem anos sobre a primeira lei do divórcio em Portugal, hoje, por cada dois casamentos há uma separação. Ter filhos deixou de ser uma prioridade e há cada vez mais famílias monoparentais, avançou, esta semana, a Pordata, base europeia de dados estatísticos.

Os números traçam o retrato com precisão: há uma média de 72 divórcios por dia em Portugal, contabilizou o Instituto Nacional de Estatística (INE). Há 50 anos, a média era de dois por dia. Mas, ultrapassado o "boom" de separações depois da revisão da Concordata, em 1975. Hoje, verifica-se, ainda, um aumento de divórcios. Até ao dia 15 de Outubro do ano passado, houve cerca de 40 mil casamentos e 26 mil divórcios. São números do INE que, note-se, não incluem as separações de casais em união de facto, que são cada vez mais, avaliando pelos nascimentos de bebés, filhos de pais não casados.

O conceito de família mudou. Segundo a Pordata, actualmente, os casais que optam por ter filhos são cada vez menos, uma tendência que confronta a tradição. Em Portugal, havia 2  224  100 famílias sem crianças em 2005. Três anos depois são 2 357 400 casais. A tendência é partilhada por toda a União Europeia (UE). Fruto da subida de divórcios, aumentaram, por sua vez, as famílias monoparentais em 2,6%, no nosso país, e 5,45% na UE dos 27, no mesmo intervalo de tempo. E, note-se, em 2008, registou-se 90,4% de mulheres portuguesas sozinhas com os filhos, uma tradição que promete não mudar. A descer nas estatísticas estão os casais com filhos: passaram de 27,3% para 25,8% no nosso país.

O que pensam hoje as pessoas sobre o casamento e sobre a família? Por que há tantos divórcios? E por que subiu a procura da terapia familiar? Será a crise a única razão para a diminuição da natalidade?

Prioridade: ser feliz custe a quem custar

As amarras do casamento tradicional deixaram de existir. Valoriza-se  a realização pessoal na procura pela relação e pela família perfeitas.

Há cada vez mais divórcios e a tendência será para continuarem a subir, acreditam os sociólogos. Quer isto dizer que o casamento e a família estão em crise? Não. Quer dizer precisamente o contrário: "As pessoas não se divorciam por deixarem de acreditar no casamento. Dão, isso sim, um sinal de crença reforçada no casamento", defende o sociólogo da família Pedro Vasconcelos. "Rompem com uma família para ir à procura de outra", reforça a socióloga Engrácia Leandro. Nas sociedades modernas, o objectivo é ser feliz.

Prova disso mesmo é o facto de muitas das pessoas que se divorciam procurarem novas relações e, muitas vezes, novas famílias. Segundo Engrácia Leandro, professora catedrática e investigadora do Centro de Investigação de Ciências Sociais da Universidade do Minho, "as pessoas colocam-se a elas próprias acima de tudo. É o processo incessante da busca da felicidade pela felicidade".

Ao contrário do que sucedia no passado (não muito distante, há algumas décadas atrás), em que "a vida estava programada de acordo com um modelo dominante de ideologia e moral familiar, hoje, a moral e a ideologia não são tão tradicionalistas. Há mais liberdade individual", explica Pedro Vasconcelos docente e investigador do Instituto de Ciências Sociais do Instituto Superior da Ciência do Trabalho e da Empresa (ISCTE) da Universidade de Lisboa. Com a modernidade veio a individualização e esbateu-se a rigidez dos papéis do homem e da mulher na sociedade e na família.

Assim, segundo a ideologia actual, "valoriza-se mais a relação e não a instituição. A conjugalidade deixou de estar articulada com o casamento institucional. A formalização da relação passou a ser irrelevante. Em suma, o que é central é a relação" - frisa o sociólogo. 

Num processo de mudança de mentalidades muito lento, casar deixou de ser - na generalidade - uma forma de aceder a um determinado estatuto social, "independentemente da realização pessoal", continua o mesmo investigador. Contudo, ainda hoje são mais comuns os casamentos entre pessoas de condição social semelhante, por exemplo.

Hoje valoriza-se mais a família

Não obstante a contagem de um divórcio por cada dois casamentos, no ano passado, a docente da Universidade do Minho afirma, sem margem para hesitações, que "hoje, valoriza-se mais a família". Engrácia Leandro sustenta-se nos mais recentes inquéritos locais, europeus e até mundias que colocam a família, quase sempre, em primeiro lugar. "Não é a família que está em crise", afirma a socióloga. "É o modelo tradicionalista de casamento", complementa o sociólogo da Universidade de Lisboa.

No mesmo sentido, a socióloga Sofia Aboim declarou, esta semana, à Lusa, que "houve uma transformação profunda na forma como as pessoas concebem o casamento. Não já algo a que estão amarradas pelo peso da tradição, mas algo com que podem acabar se não se sentirem individualmente satisfeitas na relação".

Mas, defende Engrácia Leandro, "a família  é o primeiro reduto de felicidade. É o lugar onde as pessoas são pessoas". Na família, as pessoas são o que são. Não são definidas pela sua profissão, pelo seu saldo bancário ou pelo número do cartão de cidadão. E "o conceito de família mudou muito profundamente. Ainda que não da mesma forma em determinados grupos sociais", acrescenta.

Mulheres são mais sobrecarregadas

O aumento de divórcios, entre outros factores, conduziu ao aumento de famílias monoparentais. São cada vez mais. Mas "já nos anos 40 (do século passado) Portugal tinha a maior taxa de filhos fora do casamento", recorda Pedro Vasconcelos. Invariavelmente, a tradição ainda é o que era no que diz respeito ao progenitor que fica com os filhos - a mulher. Já o homem,  com menos encargos, tem maior facilidade em começar uma nova relação e criar uma nova família recomposta. "A mulher não tem tanta condição de entrar no mercado de casamento, porque é mais sobrecarregada com os filhos", confirma Engrácia Leandro.

Da realidade das famílias monoparentais pode advir uma outra: o contributo para o aumento da pobreza em Portugal. No caso de, por exemplo, o pai deixar de contribuir financeiramente para a educação do filho, à guarda da mãe, gera-se uma família com mais dificuldades, mais pobre.

Já as famílias recompostas que surgem com o desmembramento de outras famílias são ainda mais complexas. Há mais laços familiares para fortalecer: os pais biológicos, os pais sociais, os novos meios-irmãos, os novos filhos que nascem do novo casal.

Há toda uma rede alargada de desconhecidos que passam a ser familiares com quem é necessário estabelecer uma ligação.

Ética da privação fora de moda

Nem todos os casais querem ter filhos. Aliás, aumenta o número de pessoas que não pretendem contribuir para o aumento da natalidade portuguesa. Neste âmbito,  "são, sobretudo, as mulheres que sentem mais o peso do preconceito de escolherem não serem mães", ressalva o docente do ISCTE.

Em nome da individualização e do conforto material, há quem não queira ter filhos, porque os filhos também representam despesa: na escolarização, depois no carro, mais tarde na entrada para a casa", acrescenta Engrácia Leandro. "A ética do sacrifício, da privação, ficou fora de moda".  

Uma outra realidade é vivida pelos casais que querem ter filhos, mas não têm. Aí, defende Pedro Vasconcelos, "as pessoas sentem que não têm as condições necessárias para educar os filhos. Hoje, a educação é mais exigente".

Não será, então, a crise económica um factor determinante na baixa natalidade em Portugal? Para o autor do artigo Famílias Complexas: Tendências de Evolução, publicado em Sociologia - Problemas e Práticas, nº 43, Pedro Vasconcelos, "a crise tem efeitos mínimos na questão da baixa de natalidade. As crise de hoje não são comparáveis com as de há 100 anos, em que havia mais fome. As de hoje podem causa flutuações ligeiras. A menos que, a pretexto da crise, haja alterações no estado social, no caso as medidas de apoio à natalidade diminuam e de forma persistente". Mas, destaca o sociólogo, "a maioria das pessoas quer ter filhos". Quer ter uma relação que lhe traga felicidade, quer formar uma família.

Pronto-a-deitar-fora

Segundo dados da Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar, há uma procura crescente de casais que querem ajuda para evitar o divórcio. Um facto que traduz o empenho e o investimento das pessoas nas relações, levando-as ao ponto de investir tempo e dinheiro para salvá-las.

"Os insucessos acontecem porque há um grande investimento nos sentimentos. E não há nada mais frágil do que os sentimentos", afirma a docente da Universidade do Minho.

Mas nem todos os fracassos mereceram tanto empenho. "Hoje tudo é pronto-a-comer, pronto-a-vestir e pronto-a-deitar fora", acrescenta. O individualismo e a busca da felicidade pela felicidade ditam, muitas vezes, o final de casamentos e relações após poucos meses de convivência. Nas sociedades modernas, recorde-se, o objectivo é ser feliz. Por vezes, custe a quem custar.

 

publicado por cagido às 18:02

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